Lembrem-se: esta paisagem só existe em Ilhabela
Algumas palavras aos vereadores que assumirão seus postos neste 1º de janeiro:
Ilhabela não precisa de mais asfalto e de avenidas mais largas. Ilhabela precisa funcionar melhor para idosos e crianças -- a pé ou em bicicletas.
Ilhabela não precisa perder seus mangues e não precisa ter sua topografia alterada. Ilhabela precisa de praias e cachoeiras limpas e de mangues preservados.
Ilhabela não precisa de garagens subterrâneas, muito menos de verticalização. Ilhabela precisa de segurança para o turista, para o veranista e principalmente para o morador. Ilhabela precisa crescer humanamente.
Ilhabela não precisa de água azul jorrando do chão de concreto e não precisa de torres com cabos de aço. Ilhabela precisa da simplicidade de árvores, de pedras, de areia e de mar.
Ilhabela não precisa de megashows e de bairros inteiros congestionados, inundados de automóveis e tomados por desordeiros movidos a álcool. Ilhabela precisa daquele silêncio que permite apreciar paisagens e colecionar memórias.
Ilhabela não precisa de um shopping center, não precisa de investidores, de consumidores e de políticos. Ilhabela precisa de pessoas de verdade, de famílias, de lares. Ilhabela precisa de sabedoria e de história.
Ilhabela não precisa ser Caraguatatuba, Guarujá ou Santos. Ilhabela não precisa e sequer tem condições de ser Miami. Ilhabela precisa continuar a ser Ilhabela.
Por que digo isso? Sou um sabe-tudo? Sou presunçoso? Não, apenas tenho olhos e memória. Há ações que transformam Ilhabela num lugar qualquer e há ações que a tornam ainda mais especial e única. Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que estas ações são melhores e muito mais necessárias do que aquelas.
Pensem nisso quando os senhores estiverem criando mais leis para esta cidade. Lembrem-se das leis que já existem e de como elas têm sido aplicadas. Lembrem-se das bandeiras vermelhas nas praias -- turista não vem a Ilhabela apenas para fazer seus próprios cartões postais. Lembrem-se das praias que têm sido tomadas por muros, das grades e píeres particulares que avançam na direção do mar. Lembrem-se das cachoeiras tomadas por esgoto. Lembrem-se da privatização do espaço público, da priorização do carro (que só se consegue em detrimento de pedestres e ciclistas), lembrem-se do que era Ilhabela 30 ou 40 anos atrás.
Não proponho que os senhores se esforcem para que Ilhabela volte a ser o que não pode mais ser. Proponho apenas que respeitem uma história que jamais se desfará e que lembrem que este lugar se desfaz a cada ação pública ou privada realizada sem o peso da memória e da tradição. Proponho que respeitem um lugar que já era rico muito antes que todos nós existíssemos. Peço que façam algo para que essa riqueza seja colocada em evidência, seja preservada e utilizada adequadamente.
Se os senhores não conseguem ver as formas pelas quais é possível viver e preservar ao mesmo tempo, por favor não apostem na própria criatividade; tenham a sabedoria e a humildade para pedir ajuda a quem sabe aproveitar as qualidades deste lugar sem destrui-las.
Boa sorte em seus mandatos. Que os senhores possam fazer o melhor para Ilhabela e que seus mandatos sejam lembrados pelo bem realizado, não pelo mal imposto a este arquipélago.
Christian Rocha
professor
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