quarta-feira, outubro 28, 2009

A verdade não está lá fora



Para minha surpresa, mais de uma pessoa já me pediu conselho sobre como tornar Ilhabela um lugar melhorzinho. Aqui vão algumas linhas sobre isso.

Em primeiro lugar, eu não acredito que seja possível tornar Ilhabela um lugar melhorzinho. O lugar já é bom, as pessoas é que o estragam. Isto é bem óbvio, não? E se é óbvio, fica patente que pedidos como aquele e a idéia de que Ilhabela pode se tornar um melhorzinho são, para dizer o mínimo, sintomas de miopia grave. Em outras palavras, se o que interessa é fazer algo bom pelo lugar, comece não sendo totalmente cego para os fatores que trouxeram decadência para o arquipélago e perceba que eles não estão lá fora.

Em segundo lugar, a ordem dos fatores e o senso das proporções -- sempre, sempre, sempre. A comoção popular por causa de problemas que afligem toda a população é algo bem comum -- e doentio. O cidadão vê problemas nos serviços públicos de saúde e quer -- como tantas outras pessoas -- bater boca com os manda-chuvas. Ora, se tudo estivesse às mil maravilhas, os manda-chuvas estariam à disposição para receber os cumprimentos. Como nada está às mil maravilhas, o máximo que você conseguirá é ver a cara de sádica da secretária do manda-chuva dizendo que o sujeito está em reunião. Ele tem mais o que fazer e você também tem. Não desperdice bala. Quando falo de "ordem dos fatores" e de "senso das proporções", eu quero dizer o seguinte: cuide do próprio nariz com seu próprio esforço. A rede pública de saúde está um caos? Cuide da sua própria saúde e da dos seus familiares. A violência urbana é um problema preocupante? Vá conhecer seu vizinho e mostre sua cara a ele; cultive um ambiente seguro em casa e nos arredores. Os espaços públicos estão abandonados, sujos e mal tratados? Qual foi a última vez que vocês os utilizou? Como está a sua calçada? É possível plantar uma árvore na frente de sua casa?

Muitas pessoas se irritam comigo quando digo que Ilhabela acabou. De fato, não há motivos para crer que a cidade que conheci no início dos anos 80 pode existir novamente. O tempo é uma das poucas coisas de mão única. O que pode voltar é aquilo que ainda existe. Cada vez que um turista chega a Ilhabela em busca de lampejos daquela tranqüilidade de outrora, abre-se a oportunidade para um caiçara se pronunciar, resgatar tradições que permanecem adormecidas, mas que ainda não morreram. Cada vez que alguém busca um telhado simples e sem forro, numa casa de tijolos de barro e caiação simples, a Ilhabela de décadas atrás encontra novo fôlego.

Mas são poucas as pessoas que se contentam com a riqueza das coisas simples. O conforto metropolitano faz falta para essas pessoas, que se incomodam com os pés sujos de areia ou de lama. Essas pessoas preferem burocracia, maquiagem, leis e um tipo de conforto que flerta com aparelhos de ar condicionado, guias turísticos ocos, palavras e ações oficiais. São gente que não gosta de gente. Gente que não gosta de lugar. Gente que constrói demais, que modifica demais, que derruba demais, que gasta demais e que vende demais. E que depois se queixa que Ilhabela já não é como antes. Essa gente merece passar as férias na Disney. Essa gente só quer souvernirs.

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