Uma discussão freqüente, que ganha fôlego em períodos de transição política como a que estamos vivendo, é aquela que trata da cultura, de como ela pode participar da vida desta cidade e de como desenvolvê-la. Ilhabela, como outras cidades do litoral paulista, tem raízes caiçaras, ligadas à terra e ao mar, e ao mesmo tempo forte influência da cultura de migrantes de diversas origens. A cultura caiçara está no folclore, na arte, na ascendência familiar cada vez mais rarefeita, na culinária, num jeito de cada vez mais incomum de viver e de relacionar-se com o lugar. A cultura do migrante pode ser metropolitana ou cosmopolita (como a dos paulistanos), sertaneja (como a de alguns mineiros e nordestinos), caipira (como a dos que vêm do interior de São Paulo) ou mesmo caiçara com outros acentos (como a cultura das pessoas que vêm de outras partes do litoral paulista para Ilhabela.
Como manifestação espontânea, a cultura caiçara desaparece um pouco a cada ano, resistindo no folclore e no artesanato. Em seu lugar solidifica-se uma cultura ainda amorfa, construída por influências diversas que ainda estão longe de ser compreendidas separadamente e que, portanto, não chegam a representar uma renovação da cultura local. Assim como não existe uma cultura brasileira definida, também não há uma cultura ilhabelense.
Apesar disso, a busca é genuína e necessária, já que o vácuo deixado pela cultura caiçara é cada vez maior. Migrantes não encontram plenas condições de estabelecer por aqui todos os hábitos e costumes sócio-culturais de seus lugares de origem -- e isso é bom, porque seria contraditório e poria em risco o próprio lugar ou ao menos atestaria sua fragilidade. Ao mesmo tempo, aos caiçaras é cada vez mais difícil manter um modo de vida estritamente ligado ao lugar, já que este é cada vez mais alterado e ocupado.
A resposta, se há alguma, pode estar naquilo que ainda não foi reconhecido como cultura, mas que participa de nossas vidas. A resposta pode vir do Oriente, de práticas consideradas exóticas demais para serem acrescentadas ao rol de práticas oficiais e populares, mas que trazem grandes benefícios a quem se dedica a elas.
Uma dessas práticas é o yoga (ou a ioga, como alguns chamam). Essa arte indiana é mais ampla do que fazem supor os alongamentos e flexões mais difíceis. Não se trata apenas de torcer o corpo, alongar e reforçar músculos e meditar. Trata-se de construir pessoas melhores, de desenvolver a própria consciência, de praticar preceitos como
ahimsa (não-violência) e
satya (verdade). O yoga baseia-se nesses e noutros princípios e as posturas (aquilo que costumamos chamar de yoga) na verdade são práticas decorrentes desses preceitos.
O yoga não torna as pessoas apenas mais flexíveis e saudáveis. O yoga as torna também melhores emocional, intelectual e espiritualmente. Quem pratica esta arte torna-se mais calmo, mais leve, emocionalmente mais vivo e mais consciente de si e do mundo. Estas qualidades são boas para pessoas de qualquer lugar do mundo e, naturalmente, tornam esse lugar melhor.
Outra prática que oferece diversos benefícios a seus praticantes é o aikido. Trata-se uma arte marcial japonesa que combina movimentos circulares, torções, arremessos -- todos realizados com mínimo esforço e máximo aproveitamento da força do oponente. Além das técnicas marciais, no aikido aprende-se a usar melhor a energia vital, chamada de "ki". Esse aprendizado desenvolve-se com exercícios aeróbicos, de consciência corporal e de respiração, além das próprias técnicas marciais. Essas práticas desenvolvem o ki e este, por sua vez, ajuda nessas práticas.
Assim como o yoga, o aikido também possui princípios que orientam o praticante e o desenvolvimento dentro da arte. No aikido não é permitido nenhum tipo de competição e a atmosfera predominante nos treinos é de cooperação. Embora o objetivo seja a eficiência marcial, o praticante deve atingi-la sem no entanto ferir o oponente. Há também a noção de que o controle de um oponente passa necessariamente pelo controle de si mesmo; entregar-se ao espírito belicoso de um ataque significa entregar-se à violência, algo que é sempre evitado no aikido.
O aikido também torna as pessoas melhores ao torná-las mais conscientes de si mesmas, mais equilibradas e mais saudáveis. A postura é melhorada significativamente; com isso a respiração também melhora e a saúde global do praticante também se beneficia. A saúde do corpo estende-se à mente, tranqüilizando-o sem entorpecê-lo. Com serenidade é mais fácil trabalhar, pensar, relacionar-se com outras pessoas. O praticante ganha e todos ganham.
Existem várias outras artes e práticas orientais que poderiam ser listadas e explicadas aqui. Há, por exemplo, o zen-budismo: alguns o chamam de religião, outros de filosofia. Há outras artes marciais além do aikido e várias outras práticas indianas, como o kundalini. O importante é que se lhe reconheça o valor para a vida de um modo geral.
Essas artes não são aceitas como parte da cultura local por diversos motivos. O primeiro é o fato dessas artes terem fortes raízes estrangeiras. O aikido sempre será japonês e o yoga sempre será indiano. Apesar disso, adaptações podem acontecer, muitas vezes com sucesso. Por exemplo, a capoeira tem forte ascendência africana, mas hoje é mundialmente associada ao Brasil. O brazilian jiu-jitsu, também muito conhecido em muitos países, é uma derivação do
jujutsu japonês. Estas artes vieram para o Brasil, foram transformadas e hoje são divulgadas como algo brasileiro.
Obviamente, agregar exemplares exóticos à cultura é um processo que acontece espontaneamente.
O que proponho não é somar o aikido e o yoga à cultura de Ilhabela, mas, antes disso, observar os efeitos destas e de outras artes sobre as pessoas e sobre a sociedade e avaliar, afinal, o que é que se deseja. Digo isso porque muita porcaria passa a fazer parte da cultura local sem que se tenha plena consciência de seus efeitos sobre a sociedade. Estas coisas simplesmente vêm e são recebidas, ainda que causem danos morais, culturais e sociais.
E para que essa avaliação seja possível, atenção. Isto, infelizmente, não se ensina, não se impõe, não se estimula. No máximo o que se pode fazer é mostrar aos desatentos as relações entre aquela ruindade miúda (de um mau hábito, de uma música ruim) e a ruindade que afeta uma cidade inteira. Que permaneçam imersos na porcaria, entende-se, mas que não seja por falta de aviso.
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Saiba mais:
Shin Shin Toitsu Aikido Ilhabela