Pode ser só impressão minha, mas talvez valha a pena expor aqui a idéia que me ocorreu para saber o que pensam os leitores que vivem ou visitam Ilhabela.
A idéia é a seguinte.
O que chamamos de Ilhabela é formado hoje de dois corpos distintos: o arquipélago e a cidade. O arquipélago tenta há tempos livrar-se da cidade, que só faz crescer e aumentar sua influência sobre ele.
A relação entre esses dois corpos é semelhante àquela observada numa pessoa tomada por um câncer ou outra doença grave. Doenças simples tendem a se espalhar e é o que de fato ocorre quando a condição física da pessoa é frágil e a doença grave. Em condições normais, a doença é eliminada naturalmente pelo corpo, que também se recupera de eventuais seqüelas deixadas pela doença.
O que se vê em Ilhabela é o esforço constante da cidade para ocupar mais e mais recantos preservados do arquipélago. Ao mesmo tempo, se fosse deixado em paz, o arquipélago faria a cidade se desmanchar -- que é o que se vê em ruínas históricas e em filmes que mostram a extinção da humanidade: construções tomadas pelas plantas, animais selvagens rondando ruas e casas cujas portas e janelas se desfizeram. Sem a cidade, as águas do Canal de São Sebastião voltariam a ser cristalinas e os peixes se multiplicariam. Seria o paraíso a que muitas pessoas se referem quando vêm para Ilhabela, conforme a idéia bíblica que o define como lugar bom, puro e intocado pelos vícios do homem.
Como só há sentido em analisar um lugar em que o homem está presente, percebemos facilmente que este lugar é regido por leis e por atividades humanas. Isto é, de um lado existe a necessidade constante de expandir a cidade, investir, construir, vender e revender e, claro, de manter esse moto contínuo. De outro, existem leis e esforços (pequenos, é claro) no sentido de limitar esse moto contínuo e de transformar aquela necessidade conforme as limitações naturais do arquipélago.
Ocorre no entanto que estes esforços sempre serão falhos. Em sentido estrito, vê-se que ninguém -- dos responsáveis pela elaboração de leis àqueles que as aplicam ou que as ignoram -- encontra-se numa situação tal que lhe permita afirmar com certeza que uma vida inteiramente natural é inerentemente boa. Em outras palavras, ninguém experimentou genuinamente uma vida natural e, portanto, ninguém sabe o que exatamente é o arquipélago, quais são suas qualidades e quais benefícios ele tem a oferecer para a cidade. Via de regra, todas as pessoas -- mesmo as mais ecologicamente xiitas -- trabalham no sentido de tentar conciliar cidade e arquipélago, o que parte sempre do pressuposto de que a cidade é algo bom. Mas não há conciliação possível:
a cidade é um processo, o arquipélago é um dado. E se não há conciliação possível, todo esforço nesse sentido cai no vazio que mantém o crescimento da cidade tal como ele sempre foi, assim como mantém também o eterno conflito entre cidade e arquipélago.
A ignorância em relação à impossibilidade de conciliar cidade e arquipélago garante a repetição do processo de destruição do arquipélago. Esse processo pode ser suavizado, mas sem a compreensão do que é a cidade (um processo) e do que é o arquipélago (um dado), não há qualquer conciliação possível.
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