segunda-feira, maio 01, 2006

Ainda o fim de Ilhabela

Vivo em Ilhabela há quase 10 anos e venho para este lugar desde que nasci. Nada me impressionou tanto nestes últimos anos quanto o boletim mais recente sobre a qualidade das praias. Das onze praias que a Cetesb avalia semanalmente, nove foram consideradas impróprias para banho. Em março de 2004 foi obtido o pior resultado desde que as avaliações começaram a ser feitas -- dez praias impróprias; naquela ocasião, somente a praia do Saco da Capela estava própria para banho --, mas tratou-se de uma ocorrência isolada num mês que apresentou águas limpas a maior parte do tempo. O que torna o fato tão alarmante desta vez é que ele repete o resultado anterior (nove praias impróprias e no caso de algumas praias, como Pinto, Perequê e Siriúba, uma sucessão de dois meses de bandeiras vermelhas) e nos faz perceber que a poluição passou a fazer parte do cotidiano das praias ilhabelenses.

Tão surpreendentes quanto os resultados das avaliações feitas pela Cetesb são as reações a eles. Em grupos de discussão em que repassei essas informações houve algumas reações apaixonadas. Algumas pessoas ainda acham que falar dos problemas da cidade significa falar contra a cidade, como se esconder tais informações pudesse eliminar os problemas a que elas se referem. Tentam, desta forma, repudiar a pessoa que porta a informação e a entidade que a divulga, sem, é claro, sequer tocar no problema em si (a poluição das praias), muito menos em suas causas.

Aparentemente não há nada de estranho com os boletins -- que seguem legislação e procedimentos que não são fixados pela Cetesb -- tampouco com a divulgação, feita discretamente no saite da instituição, com freqüência regular e previsível. Estranha é a reação das pessoas que acham que o portador da má notícia é também responsável por ela. Estranha mas compreensível. Quando nos deparamos com a informação de que a poluição das praias ilhabelenses não é exceção, mas a regra, somos obrigados a admitir que Ilhabela acabou, que finalmente nos igualamos a qualquer outro lugar decadente no quesito "qualidade das praias". E isso, para quem vem para Ilhabela embalado por slogans como "Ilhabela, meu paraíso" ou "Ilhabela, campeã de preservação", deve ser um balde de água fria.

A psicologia identifica esse comportamento como um dos mecanismos de defesa utilizados quando o indivíduo se vê diante de uma ameaça à realização ou preservação de seu objeto de desejo. É muito mais fácil negar a realidade, inclusive eliminando o mensageiro, do que considerar a possibilidade da mensagem ser verdadeira e pensar que o sonho acabou. A má notícia, no caso de Ilhabela, abala diversos dogmas que sustentaram e moveram a sociedade e a economia locais. Admiti-la significa mexer nas mentes e nos bolsos.

Se existe um paraíso, ele nunca esteve em Ilhabela, mas em tudo aquilo que pode ser considerado externo à cidade. Talvez esse critério sirva ao Parque Estadual, por exemplo, cuja existência é hoje miseravelmente dependente da legislação e da coragem de um punhado de fiscais. Eu acreditava que esse critério pudesse ser aplicado também às praias, mas elas nunca estiveram desligadas da cidade. O emporcalhamento crescente das águas do Canal de São Sebastião demonstra que as praias sempre estiveram mortalmente atreladas ao crescimento de Ilhabela.

As obras de saneamento básico realizadas pela Sabesp são consideradas uma evolução pela maioria das pessoas, sobretudo as autoridades. O esgoto é tirado das fossas, das casas, dos lotes, o que diminui o risco de contaminação dos córregos e de lençóis freáticos. Contudo, tiram do indivíduo a responsabilidade por seus dejetos e os lança no Canal de São Sebastião. Ainda que isso inclua tratamento adequado, surgem duas perguntas: 1) até que ponto o tratamento que o esgoto recebe é capaz de preservar a balneabilidade das praias de Ilhabela?; 2) o Canal de São Sebastião tem condições de receber esses dejetos?

Para desgosto de meus conterrâneos, já declarei algumas vezes em outros artigos que Ilhabela acabou. A beleza de Ilhabela -- que seu próprio nome insiste em afirmar -- é cenográfica. Estas afirmações, é claro, exigem longas e cansativas discussões técnicas, filosóficas e políticas. Embora incipientes, elas são uma tentativa de trazer à luz uma questão simples: se a economia e o turismo ilhabelenses se desenvolveram por causa de suas belas praias e hoje essas praias estão poluídas, o que mais falta para reconhecermos o fim de Ilhabela?

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