segunda-feira, outubro 16, 2006

Política insular

O artigo abaixo deveria ter sido publicado no Jornal da Ilha deste mês. Poucos dias antes do deadline fui avisado de que o prefeito e o vice-prefeito se entenderam e a sala do vice-prefeito foi reativada, o que invalidava um terço do que eu havia escrito. De minha parte, fico satisfeito que isso tenha acontecido, não obstante a necessidade de mudar o que escrevi -- quem ler o Jornal da Ilha deste mês verá que escrevi um artigo completamente diferente, que não diz respeito aos fatos mencionados aqui -- e não obstante o fato de que esse entendimento não modifica o mal-estar que aconteceu, cujas seqüelas serão melhor percebidas na próxima eleição municipal.

Além disso, é sempre curioso perceber como a política é o território da inconstância. Não há estudo, não há reflexão, há apenas a reação circunstancial, cujas bases incluem tirar o melhor proveito pessoal possível de cada situação. Nada além disso. Interesses públicos? Somente aqueles que se transformarem em votos mais tarde.

É bom que a maioria dos candidatos do litoral norte paulista tenha sido recusada nas últimas eleições. Eles mereceram.

Eis o artigo que não houve.


Política insular


A política local não vale o esforço de criticá-la. Repito isso a mim mesmo diversas vezes por dia na esperança de abandonar o assunto, mas não consigo. As eleições deste ano mostraram a importância de cumprir a promessa e me preocupar com coisas mais importantes, como a manutenção da minha bicicleta e o desempenho da Lusa na segundona, mas tive que reavaliar minha decisão quando lembrei que parte do meu
dinheiro vai parar no bolso de pessoas em quem eu não votei e que essas pessoas conseguem ser menos inteligentes do que eu. É dor demais para quem não acredita em democracia.

Alguns fatos merecem reflexão e podem servir de alerta prematuro ao que virá nas próximas eleições municipais. Ficarei feliz se as próximas linhas servirem de matéria-prima para que algo de bom aconteça na política local. Vejamos:

1) Pode parecer banal, mas a desavença entre prefeito e vice-prefeito revela o descaso pelos assuntos públicos. A sala do vice-prefeito está vazia e trancada. Não sei de quem é a culpa, mas a desunião de duas importantes figuras do executivo municipal deixa claro que os interesses pessoais foram colocados acima dos interesses públicos. Eu entenderia uma sala vazia se se tratasse de uma união conjugal, mas não a entendo no caso de uma união política, que é sempre explicada pelo interesse comum de trabalhar pela sociedade e de beneficiá-la e que, quando termina, raramente encontra explicação.

2) A deformação da Praça da Bandeira, assunto de que tratei em meu artigo anterior neste Jornal da Ilha, foi uma decisão política. Uma decisão política é aquela que só é comunicada aos cidadãos quando já é tarde demais, geralmente nas páginas do mirrado Diário Oficial,
veículo tão popular quanto um jornal de mural de escola. A decisão de derrubar três grandes árvores demonstrou que os políticos de Ilhabela não dão a devida importância à opinião popular, não sabem o que é paisagem ou não consideram a Praça da Bandeira um lugar importante. Eu aposto nas três hipóteses.

3) Vereadores, que costumam se eleger com o argumento de serem a
sua voz na Câmara Municipal, não se pronunciaram sobre os dois assuntos acima mencionados – entre tantos outros assuntos fundamentais para Ilhabela. A reforma na Praça da Bandeira foi ignorada pelos vereadores. Por que?

4) A despeito da qualidade do Plano Diretor, aprovado recentemente, a maioria dos vereadores não tinha conhecimento prévio do que iria aprovar. Embora o Plano Diretor tivesse sido elaborado por profissionais competentes, alguns dos responsáveis por sua aprovação não o conheciam, não se dispuseram a estudá-lo e, por isso, não tiveram condições sequer de compreender algumas propostas e conceitos contidos nele.

Alguns poderiam dizer, à maneira de Stanislaw Ponte Preta, que de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo. Num país em que o governo federal é exemplar na roubalheira, soa ingênuo cobrar algo de alguns políticos, como se eles pudessem fazer algo além de apertar botões (sim/não), assinar papéis e, em ano eleitoral, gastar o que não
têm.

Políticos são responsáveis pelos interesses públicos. Se me deparo com um político que conhece o Plano Diretor menos do que eu, que preza a Praça da Bandeira menos do que eu, que não se escandaliza e que silencia diante da divisão dentro do poder executivo municipal, então sou obrigado a concluir que algo está errado, sobretudo porque todo político é pago para conhecer detalhadamente as leis do município, para zelar pela memória e pela paisagem do município e para se preocupar com a instabilidade nas instituições públicas.

Não me importa quem são as pessoas. Algumas delas conheço pessoalmente e prezo-as como a todo cidadão que trabalha para que Ilhabela seja um lugar bom também para seus bisnetos. O que me importa é que essas pessoas cumpram suas obrigações, cumpram aquilo que seus títulos pressupõem. Uma sala vazia numa prefeitura significa desperdício de
dinheiro público. A indiferença diante da destruição da paisagem e da memória ilhabelenses significa descaso com a memória de cada cidadão.

A essas pessoas seria excelente um dia de estudo por semana para ler alguns livros da Biblioteca Municipal – por exemplo,
Política, de Aristóteles, e Tratado da Correção do Intelecto, de Spinoza. A cidade ganha mais quando um incompetente fica em casa estudando. Acho que foi o diplomata Meira Penna que disse "quando Brasília dorme, o Brasil cresce"; às vezes temo que algo parecido valha para Ilhabela.

Quem não sabe ser melhor do que seus eleitores no trato dos bens e interesses públicos, quem não consegue cumprir as obrigações morais de um cargo político, tem de ser humilde para reconhecer tais coisas e dedicado para estudar e para se aperfeiçoar como cidadão.

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