sexta-feira, janeiro 11, 2008

Irregularidade e ordem

Certas distinções equivocadas são feitas com base na condição econômica das pessoas. Ocupações irregulares são avaliadas desta forma e algumas pessoas chegam a pensar que o problema das casas em faixa de marinha é menos sério porque os abonados proprietários têm o cuidado de não poluir a praia logo adiante. Barracos merecem a severidade irrestrita; mansões, depende.

Ocorre que tanto o barraco na beira do córrego como a mansão em faixa de marinha são construções irregulares. Faixas de marinha e córregos são áreas da União -- isto é, de todos nós -- e de preservação permanente. A diferença é que o barraco limita o uso do córrego porque o polui; a mansão limita o uso da faixa de marinha porque lhe proíbe o acesso com muros de pedra, decks e píers -- sem falar que algumas mansões, sim, poluem o mar.

A irregularidade ocorre nos dois casos. No que diz respeito às construções irregulares, não existe "melhor" ou "menos ruim". Existe aquilo que deve ser devidamente fiscalizado, embargado e, se for o caso, posto abaixo.

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Há também quem diga que o problema só é importante se ele causa poluição ou desmatamento. Daí a condescendência com mansões em faixa de marinha e mesmo com barracos em algumas áreas da cidade. Se as pessoas ocupam irregularmente essas áreas sem causar danos, qual o problema? O problema é a própria irregularidade, o desvio, a contravenção. A regularidade significa documentação completa e impostos em dia. Estas coisas significam que o poder do município está sendo respeitado e que dinheiro público está sendo colhido e, sobretudo, utilizado adequadamente. Regularidade é ordem e nada é mais necessário do que isto em dias de hoje.

Um município em ordem é a garantia de que amanhã um sujeito qualquer não tentará se apossar de sua casa ou construir um arranha-céu ao lado dela. Ordem é também igualdade. No caso de Ilhabela, a igualdade desejada é aquela que permite a todos o acesso ao patrimônio natural do arquipélago. O problema surge quando alguns o poluem e ninguém mais pode usá-lo; quando alguns o cercam e ninguém mais pode acessá-los; quando alguns o destróem e ninguém mais pode sequer vê-los ou levá-los na memória.

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