sexta-feira, março 14, 2008

Os donos da ilha

caiçara

Vi ontem o documentário «Os donos da ilha», que pode ser visto no You Tube, dividido em três partes:

Parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=M1EykaWSz7o
Parte 2: http://www.youtube.com/watch?v=erGPOYbFu3M
Parte 3: http://www.youtube.com/watch?v=srNQyv2c2RA

Algumas impressões:

1) Assistam. Não é um documentário completo (principalmente por ser breve), muito menos conclusivo, mas é fundamental para quem quer tentar compreender a questão da cultura caiçara e sua presença no arquipélago.

A partir daqui meus comentários citarão trechos do documentário. Talvez você prefira assisti-lo para depois ler o restante deste post. Ou não.

2) É um documentário pessimista. A impressão que se tem é que a cultura caiçara se perdeu e não há solução. Bem, a cultura caiçara se perdeu (isto é um fato) e realmente não há solução (isto já é opinião). Na verdade, a cultura não é algo que se «perde». Perdem-se costumes, tradições são deixadas de lado e, afinal, a cultura se transforma. O fato é que o caiçara deixou de ser o habitante típico do litoral. Ilhabela, como a maioria das cidades do litoral, é formada hoje por migrantes -- paulistas da Grande São Paulo, mineiros e baianos, entre outros. Existe em Ilhabela forte influência da cultura que essas pessoas trazem para cá, sem falar no próprio impacto sócio-cultural que o próprio turismo traz para o arquipélago.

3) Pessimismo não é realismo. Realismo incluiria mostrar o outro lado de uma situação que parece não ter solução. As tradições caiçaras estão se perdendo? Sim. A cultura caiçara está desaparecendo? Não. Ela está se transformando. Para compreender o que essas transformações significam é necessário analisar o impacto de tradições perdidas, da cultura que influencia a cultura caiçara e dos valores que são trazidos de fora. Através dessa análise pode-se avaliar uma situação.

4) Um dos itens dessa análise é a relação do homem com o mar e com a terra. Os caiçaras relacionavam-se com o mar e com a terra de uma forma mais próxima porque dependiam deles para viver. Nós hoje também dependemos, mas temos dificuldade em ver e compreender essa dependência. É claro que isso foi uma perda, que trouxe mais danos do que benefícios. Uma questão que se pode desenvolver é como fazer com que esses benefícios ajudem na reparação dos danos -- e esta questão não é diferente daquelas propostas nas discussões ambientais acerca da sustentabilidade. Ganhar-se-ia muito, portanto, colocando pés no chão e avaliando a situação tal como ela é hoje, não como ela pode ser daqui alguns anos.

5) A respeito disso, aliás, uma «dica» foi dada quase sem querer pelo grande Mazinho, que aparece em alguns momentos do documentário. Ele diz algo como «ainda bem que tem marina, o Yacht Club, a balsa, senão esse pessoal [pescadores] estaria todo sem trabalho», sem perceber a ligação entre os fenômenos que prejudicam a pesca e outras tradições caiçaras e os fenômenos que levam à construção de marinas e ao aumento do número de embarcações de recreio no arquipélago. É sempre uma faca de dois gumes. O desenvolvimento escasseou os cardumes, mas trouxe emprego. Estes empregos não têm relação direta com a cultura caiçara, mas são bons. Ao mesmo tempo são sintomas de um processo que ajudou a degradar a cultura e as tradições. Uma questão que se coloca é se o que acontece aqui não faz parte de um processo muito mais amplo, comum ao restante do país e do mundo.

6) O documentário é fundamental não por fazer um alerta sobre algo que pode acontecer, mas sobre algo que já aconteceu e que é a realidade neste momento. Eu gostaria que ele fosse visto sempre desta forma. O problema é que a maioria das pessoas pensa: «Puxa, a cultura caiçara está se perdendo». Não, ela já se perdeu. Que ela exista ainda em algumas pessoas e em algumas festas folclóricas e religiosas, é mero acaso, mera sorte. O que devemos perguntar -- individualmente, para início -- é o que é cultura, o que ela representa para você e, afinal, por que as tradições são importantes. Não adianta suspirar pela perda de algo que você só valorizou como souvenir. Se isso não for feito, nenhuma cultura será valorizada, nem a caiçara, nem a nossa própria cultura, que é o que nos permite viver com alguma lucidez.

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Original da imagem aqui.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que bom saber que tem gente assistindo nosso doc!!!