segunda-feira, fevereiro 26, 2007

A vitória do junk tourism



O fim da temporada normalmente é utilizado por empresários e comerciantes de Ilhabela para fazer balanços, para férias de funcionários, para colocar a casa em ordem, para observar erros e acertos. É um momento de reduzir a velocidade e respirar, buscando o tempo e a disposição necessários para planejar, talvez ampliar os negócios ou ajustar a direção para os próximos feriados e temporadas. A economia de Ilhabela oscila todos os anos entre o ritmo frenético de atender turbas de turistas e a monotonia de espantar borrachudos.

Muitos empresários dizem que seria melhor se o movimento de turistas fosse melhor distribuído ao longo do ano. É mais fácil atender 100 pessoas ao longo de uma semana do que atendê-las em um único dia.

Infelizmente o turismo não funciona desta forma. Naturalmente a maioria dos viajantes prefere viajar quando isso de fato é possível, como feriados prolongados e finais-de-semana. E é por isso que Ilhabela é um lugar tão tranqüilo numa segunda-feira comum como hoje, pela razão, bastante óbvia afinal, de que a maioria dos turistas está trabalhando em suas respectivas cidades de origem.

Mas não é a tranqüilidade a principal razão de ser do turismo praticado em Ilhabela? Pergunte a qualquer turista o que o move a pegar seu carro e vir para Ilhabela tão logo isso seja possível. Ele dirá algo como "Vou até Ilhabela dar uma relaxada, pegar uma praia, mudar de ares". O que torna Ilhabela diferente de uma cidade como São Paulo ou Campinas e tão atraente para pessoas destas cidades? Certamente não é apenas o litoral e paisagem acidentada e verde.

Ocorre que é cada vez maior o número de pessoas que decide simultaneamente vir para Ilhabela. À medida que aumenta o número de turistas em Ilhabela, diminui a tranqüilidade -- ou, para falar com mais precisão, a qualidade ambiental -- que torna este lugar atraente e aumenta o número de pessoas conformadas com a ausência dessa tranqüilidade, que buscarão outros programas para fazer a viagem a Ilhabela valer o esforço e a despesa. Em outras palavras, se a cidade não oferece mais as qualidades que oferecia antes, não há problema; a criatividade do turista e das pessoas que lhe prestam serviços cuidará disso.

O redimensionamento do Carnaval é o exemplo clássico dessa mudança de foco. Ao longo de duas décadas o Carnaval de Ilhabela ganhou uma dimensão apoteótica. Isso se deve não apenas ao desejo e aos esforços das escolas de samba, é claro, mas à demanda, ao número cada vez maior de turistas nessa época do ano -- e, diga-se, turistas dispostos a se concentrar na Vila para assistir aos desfiles. O turista pediu, a Prefeitura atendeu. E desta forma um número cada vez maior de pessoas virá para Ilhabela em busca do Carnaval organizado.

Eu costumava pensar que um prefeito séria e sinceramente decidido a trabalhar pelo turismo começaria suas ações pela qualidade das praias. Mas eu me enganei. As pessoas não estão interessadas em praias ou cachoeiras, não querem trilhas ou passeios ecológicos, embora isso possa ser agradável e desejável às vezes. As pessoas não vêm para Ilhabela para aproveitar as belezas naturais, mas para "estar em Ilhabela", para sair de suas cidades de origem e para mudar a rotina. Se o lugar tiver um ar mais respirável do que o da capital, tanto melhor.

Acertaram o prefeito e os organizadores do Carnaval, que apostaram que, como nos anos anteriores, os turistas viriam em massa para a Vila. O caos instalou-se nessa parte da cidade, é claro, mas foi o caos organizado, onde sempre se via um sujeito uniformizado a representar a longa mão do Estado. As praias continuaram sujas, ainda que desta vez não tenha havido chuva para justificar a falta de balneabilidade. Mas o Carnaval seguiu adiante, foi bem-sucedido, a cidade sofreu mas faturou. Fim de festa, hora de fazer a contabilidade. O junk tourism venceu.

Se Ilhabela fosse apenas um parque temático, seria perfeito. Disneylândia fecha as portas às vezes e é ocupada por uma equipe de técnicos e faxineiros, recebe limpeza e manutenção e reabre no dia seguinte, em plenas condições de receber e atender bem. Talvez Ilhabela devesse fechar também. A opção seria muito boa se não tivesse gente morando aqui -- pessoas com filhos na escola, pessoas que compram leite e pão de manhã cedo, que trabalham duro mesmo quando a cidade está abarrotada de turistas, ainda que a simples visão da praia ensolarada seja prazerosa e atraente. O problema não está nas pessoas que moram em Ilhabela, mas nas pessoas que pensam, agem e administram esta cidade como se ela não tivesse moradores.

Eu sempre imaginei que um lugar bom para se viver seria automaticamente um lugar bom para o turista também. Mas tudo depende do tipo de turista que o lugar pretende atrair. Apenas para citar um exemplo: o turismo sexual bem-sucedido exige uma cidade com ampla oferta de prostitutas e com grande número de bordéis. Uma cidade que oferece lixo receberá gente interessada em lixo. Simples assim.

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